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Queriamos mão de obra e chegaram pessoas

Publicado: Quarta, 05 de Novembro de 2014, 14h39 | Última atualização em Segunda, 25 de Março de 2019, 22h40

Leonardo Cavalcanti

O título desse artigo é uma memorável frase do romancista Max Frisch sobre a necessidade de a Suíça atrair imigrantes em 1965. É fácil observar como essa situação se repete na atualidade com o mercado de trabalho brasileiro. O desenvolvimento econômico e social do país e o seu reposicionamento geopolítico nos últimos anos têm demandado e atraído milhares de imigrantes.

Diferentemente da imigração branca e europeia nos séculos XIX e XX, que marcou de forma crucial a geografia do sul e sudeste do Brasil, nos últimos anos, o país também tem recebido imigrantes provenientes do sul global (haitianos, colombianos, senegaleses, peruanos e bengalis, entre outros). Deste modo, o cenário migratório no Brasil é mais complexo na atualidade.

O Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), um convênio entre a Universidade de Brasília e o Ministério de Trabalho e Emprego, revela dados que sinalizam que, entre os anos 2011 e 2013, o número de imigrantes no mercado de trabalho formal cresceu 50,9%. Entre os imigrantes presentes no país, o maior incremento ficou por conta dos haitianos, que passaram a ser a principal nacionalidade no mercado de trabalho formal em 2013, superando os portugueses. Dada as características do fenômeno migratório atual e a lógica das redes migratórias, é possível conjeturar que esse coletivo terá um lugar permanente na paisagem da imigração no Brasil, tanto em termos numéricos, quanto simbólicos, culturais, econômicos e sociais.

Os imigrantes estão nos extremos do mercado de trabalho, tanto na base, quanto no topo. Os grupos ocupacionais que tiveram um maior aumento de imigrantes refletem essa dinâmica: trabalhadores da produção de bens e serviços industriais (163,8%); profissionais das ciências e intelectuais (100%); trabalhadores qualificados agropecuários, florestais e da pesca (95,6%) e trabalhadores em serviços de reparação e manutenção (45,4%). Deste modo, o país tem demandado trabalhadores para atividades altamente qualificadas e, devido às dificuldades de oferta de mão de obra em algumas ocupações em determinadas áreas da região sul, começa a necessitar de imigrantes para atividades que exigem pouca qualificação.

A imigração não resolverá a escassez de profissionais no mercado de trabalho brasileiro. Tampouco é possível prescindir dela e ficar indiferentes a essa necessidade. Por outro lado, continuará chegando mão de obra estrangeira, mas também pessoas que acreditam em outros deuses, gostam de outras comidas e têm cosmovisões de mundo diferenciadas. Assim é fundamental combinar políticas voltadas para o mercado de trabalho formal com a proteção dos direitos humanos.

Nesse sentido, é importante desmarcar-se de visões que simplificam o multifacetado fenômeno migratório, tanto na sua versão economicista, que reduzem os imigrantes a uma mera força de trabalho, quanto a vertente humanista, que desconsidera a função produtiva e o impacto na economia da população imigrante. A junção entre mercado de trabalho formal e proteção dos direitos humanos aponta para um caminho mais realista e eficaz para a gestão das migrações.

A análise pormenorizada dos dados sobre a presença dos imigrantes no mercado de trabalho brasileiro será apresentada e debatida pelo OBMigra, no marco do seminário internacional sobre migrações e mobilidade na América do sul, no dia 12 de novembro, no anfiteatro do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília.

Professor da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador
do Observatório de Imigrações Internacionais (OBMigra)
Artigo publicado no Correio Brasiliense, 04 de novembro de 2014.

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